Pular para o conteúdo

Venda antecipada de créditos de carbono: O caso Pará e os limites jurídicos no Brasil

A assinatura do contrato entre o Estado do Pará e a Coalizão LEAF, em 2024, para a comercialização de créditos de carbono do tipo REDD+ jurisdicional, trouxe à tona um debate jurídico e regulatório ainda pouco consolidado no Brasil: o que realmente define uma venda antecipada de créditos de carbono?

Essa questão é bastante complexa. Em uma recomendação emitida em abril de 2025, o Ministério Público Federal (MPF) sugeriu a revogação do acordo, argumentando que ele infringiria a proibição expressa da Lei 15.042/2024, que impede a venda antecipada de créditos de programas REDD+ em níveis estadual ou federal. Contudo, a situação é mais intrincada do que apenas a presença de um preço estabelecido.

A Lei 15.042/2024, que regula o mercado de carbono no Brasil, proíbe a comercialização de créditos antes da sua verificação. O artigo 43, § 6º, inciso I, proíbe especificamente a venda antecipada de créditos jurisdicionais. No entanto, o inciso II do mesmo parágrafo permite contratos que definam condições comerciais para vendas futuras — desde que os créditos sejam garantidos por reduções de emissões que tenham sido verificadas.

Na prática, isso estabelece uma área cinzenta em termos regulatórios. Os contratos podem incluir condições para futuras transações, como preço e volume, mas não podem criar uma obrigação de entrega antes que os créditos sejam validados por uma certificadora ou por um órgão público competente. Essa diferenciação é crucial no contexto do Pará.

O contrato assinado com a LEAF define um valor fixo de US$ 15 por tonelada de carbono, mas permite o pagamento e a entrega somente após a verificação dos resultados, utilizando uma metodologia amplamente reconhecida internacionalmente — o padrão ART-TREES.

Por outro lado, o MPF argumenta que a definição prévia do preço e o compromisso contratual de compra caracterizam uma venda antecipada, mesmo que não haja transferência imediata dos créditos ou pagamento antecipado. A jurisprudência brasileira, especialmente em contratos agrícolas como a Cédula de Produto Rural (CPR), indica que o elemento determinante para a venda antecipada é a existência de um preço fixo ou determinável vinculado a um bem futuro.

Entretanto, essas decisões também reconhecem que contratos com cláusulas suspensivas — que condicionam a obrigação à ocorrência de um evento futuro e incerto — não produzem efeitos até que esse evento se concretize. No contexto dos créditos de carbono, esse evento é a verificação.

Outro aspecto importante na argumentação do MPF é a tentativa de classificar os créditos de carbono como commodities. Essa visão, no entanto, enfrenta resistência. Commodities são produtos fungíveis, que possuem liquidez imediata, cotação pública e disponibilidade total — características que não se aplicam aos créditos REDD+ jurisdicionais, cuja validade depende da comprovação técnica de que uma área específica evitou o desmatamento ou a degradação florestal.

Sem essa verificação, não existe ativo. Assim, os créditos que ainda não foram validados não podem ser tratados legalmente como mercadorias disponíveis.

A Coalizão LEAF, por sua vez, utiliza sistematicamente a cláusula suspensiva em seus contratos de Compra de Redução de Emissões (ERPA). A transferência de propriedade e o pagamento estão condicionados à verificação das reduções de emissões por entidades independentes.

Essa abordagem não é uma exceção brasileira; na verdade, representa o padrão internacional para contratos relacionados ao REDD+ jurisdicional. A Costa Rica, por exemplo, estabeleceu acordos semelhantes com a LEAF e outros fundos multilaterais, que incluem preços pré-estabelecidos e cláusulas obrigatórias de verificação. Nesse contexto, a legislação local não proíbe a venda antecipada, mas exige verificações rigorosas.

A particularidade do Brasil reside na proibição explícita da venda antecipada em sua legislação. Isso significa que os contratos precisam ser elaborados com extremo cuidado para garantir que não haja qualquer obrigação firme de entrega sem a correspondente validação.

No caso do Pará, os termos do contrato contemplam a cláusula suspensiva, alinhando-se ao artigo 125 do Código Civil, que estabelece que a eficácia do negócio jurídico está condicionada a um evento futuro e incerto; portanto, o efeito não se concretiza enquanto a condição combinada não ocorrer.

Uma possível linha de defesa é afirmar que a assinatura do contrato entre a LEAF e o Pará aconteceu antes da vigência da Lei 15.042, o que poderia afastar os efeitos da nova legislação.

Entretanto, essa argumentação é frágil. Primeiramente, porque a minuta do contrato (não assinada) disponibilizada ao público já previa a possibilidade de novas leis sobre o tema, podendo até levar à inadimplência das obrigações acordadas.

Além disso, essa linha de raciocínio pode comprometer a credibilidade do contrato assinado, pois sugere que por ter sido firmado antes da entrada em vigor da Lei 15.042, não teria levado em conta as preocupações legais e a verificação dos créditos — uma impressão negativa e desnecessária diante do Poder Público e da sociedade.

Por fim, essa questão não se restringe ao Pará; trata-se de uma dúvida que pode surgir em todos os estados interessados em desenvolver programas de REDD+ jurisdicionais.

A  importância da discussão no mercado de créditos de carbono

O que está em pauta vai além de um contrato específico; trata-se da interpretação de um modelo jurídico e regulatório que ainda está em desenvolvimento, tanto no Brasil quanto globalmente. A recomendação do Ministério Público Federal (MPF) demonstra uma preocupação válida com a integridade do sistema, mas também implica uma interpretação restritiva que pode gerar incertezas jurídicas em um mercado emergente.

Se a simples definição de preços for vista como uma infração, mesmo em contratos com condições, isso pode levar a uma diminuição de investimentos em projetos de manejo florestal sustentável.

A solução reside em uma interpretação técnica e jurídica mais apurada. O Brasil, ao assumir a liderança na regulação do mercado de carbono, deve garantir segurança jurídica sem abrir mão da proteção ambiental.

Contratos futuros devem incluir cláusulas suspensivas, prever auditorias independentes, limitar a exigibilidade de obrigações e, sempre que possível, optar por preços variáveis, para evitar o risco de serem automaticamente considerados como vendas antecipadas.

Em resumo, o caso do Pará ilustra os desafios na implementação da Lei 15.042/2024. A negociação de créditos REDD+ exige contratos complexos que atendam às normas legais sem prejudicar a viabilidade econômica dos projetos. Encontrar um equilíbrio entre rigor ambiental e viabilidade jurídica será crucial para que o Brasil se destaque no mercado global de carbono.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *